quinta-feira, abril 21, 2005

Quero a minha Avó!

Era 85.Tinha 7 anos.Caminhava com o Tiago e a Avó Zara.
Setúbal.Avenida Luiza Todi.
Fim de tarde.
Aproximo-me da esquina pra atravessar.O meu olho capta a existência de um miúdo da rua, cheio de notas de 20 escudos.Achei fantástico e esquisito, e aproximei-me mais.Tinha imensas notas, e comento isso com a criatura.Esta responde mal com um palavreado que nunca me lembrei, e começa a atirar pedras á minha pessoa.Corro atrás.Ele dobra a esquina.Eu queria satisfações.Qual esquina, qual quê!Não dobro a esquina.Corsa de raça Opel, não dá por mim, nem pelo bólide.
Na reacção de dar um pontapé á minha desgraça eminente e á ineficácia perante as minhas cobranças satisfatórias, esqueço-me que tenho outra perna, e esta, já era.O bólide presta-lhe uma visita, esmagadora.
Caio.Não sinto dores, mas não me consigo levantar.Imensa gente á minha volta, o mecânico, uns transeuntes e a Paula.Tinha sido minha empregada uns anos antes, em Genebra.Lol
Na altura não achei muita piada, e apenas a reconhci e destatei a chorar,pois os meus ténis azuis de atacadores,Velcro,estavam manchados, e ainda há 2 minutos eram novos.
o Tiago e a Avó já no outro lado da rua,viram que eu não vinha e começam a ver uma data de gente a reunir-se uns 30m atrás.Vão ver.Lá estava o nako a ser apaparicado por deconhecidos, uns a dizer "vai ficar tudo bem" outros,"abram espaço, deixem o puto respirar"
A Avó chega.O irmão também.Paula tinha desaparecido da minha orientação visual.
Vamos pró hospital São Bernardo.Bom sinal.
Urgências.A espera."Quero a minha Avó, Quero a minha Avó", murmurava eu, pelos corredores auditívos desse intenso cheiro a mercuriocrome que tinha o meu nome junto a um santo.

Operação.Nas mãos do santo, e da Zarinha, entrámos na sala e sou logo aldrabado por um médico que me diz "logo a seguir, vamos ao carrocel."Acreditei, e quando estava mesmo a cair na tanga do gajo, veio a anestesia, que me impediu de lhe perguntar, a que horas íamos, ou onde é que era....

Nunca mais vi a Paula.Nunca percebi porque me atropelou.Teria eu sido um daqueles filhos horríveis que deixa a vontade de vingança numa empregada, num país distante, dois anos antes?
Sentiu-se depois, culpada e pôs-se a andar dalí?
Enfim Paula deixaste uma marca na minha perna, mas eu amachuquei a tua porta.Toma lá oh satisfações!